Células-curinga
Células-tronco são como curingas celulares, pois são capazes, com o estímulo correto, de se diferenciar em uma célula epitelial ou muscular, por exemplo. Diversas pesquisas têm mostrado que as células-tronco podem representar uma esperança para recompor tecidos danificados e, assim, teoricamente, tratar varias doenças, como alguns tipos de câncer, o mal de Parkinson e o de Alzheimer, doenças degenerativas, cardíacas ou lesões na coluna.
Em comparação com as células-tronco adultas obtidas, por exemplo, a partir de dentes-de-leite, de cordões umbilicais ou de outros tecidos, as células-tronco embrionárias têm uma maior potencialidade para se diferenciar em tecidos especializados. Elas são obtidas durante a fase da blástula de embrião, até o oitavo dia após a fecundação. (A Lei de Biossegurança permite que sejam utilizados embriões com, no máximo, cinco dias de idade, ainda distantes portanto do período em que se inicia o processo de especialização celular.)
Antes da formação da célula-ovo, os cerca de 40 milhões de espermatozóides produzidos por uma ejaculação média de um homem adulto passam por uma seleção baseada em sua motilidade, na capacidade de encontrar o local preciso em que o ovócito se localiza em meio à imensidão do útero inóspito e na penetração no gameta feminino. Após esse processo altamente competitivo um único espermatozóide consegue fecundar o ovócito, formando a célula-ovo.
Os ovócitos, por seu lado, também sofrem um mecanismo de seleção e apenas o primeiro a ser liberado durante a ovulação pode ser fecundado. As outras dezenas de células que tinham iniciado sua maturação juntamente com o ovócito liberado se degeneram. Cada célula-ovo é resultado da união de dois gametas triados por processos seletivos bastante exigentes. Portanto, cada célula-ovo é uma estrutura única e altamente adaptada para seus propósitos.
A foto mostra um espermatozóide humano prestes a fecundar um ovócito e formar a célula-ovo.
Porém, essa célula-ovo nem sempre se transforma em uma pessoa. Se problemas surgirem durante seu desenvolvimento, o processo é simplesmente abortado e as células resultantes da divisão da célula-ovo são descartadas. Essa interrupção do desenvolvimento diminui naturalmente as chances de se formarem indivíduos que apresentem problemas genéticos.
A interrupção do desenvolvimento é mais freqüente durante o primeiro trimestre da gestação. Essa etapa, conhecida como período embrionário, se estende até a oitava semana após a fecundação e está associada com o surgimento das principais estruturas do futuro indivíduo. Depois da oitava semana, entramos o período fetal e há menores riscos de aborto espontâneo.
Apesar disso, bebês prematuros retirados do útero materno antes de ter seus pulmões completamente amadurecidos – algo que ocorre após a 31ª semana de desenvolvimento uterino – têm chance reduzida de sobrevivência. A ausência de surfactantes nos pulmões desses fetos é um dos principais motivos relacionados com esse número elevados de óbitos. Os surfactantes são formados por fosfolipídeos e são produzidos e secretados por células presentes nos alvéolos pulmonares. Esses surfactantes estão associados com a redução da tensão superficial, que facilita as trocas gasosas nos alvéolos pulmonares.
Amilia, uma lutadora
Por isso, até pouco tempo atrás, salvar uma criança nascida antes dos cinco meses era uma tarefa quase impossível e um acontecimento raríssimo, digno de figurar em artigos científicos. Contudo, avanços recentes notáveis da neonatalogia (a parte da obstetrícia que trata dos cuidados aos recém-nascidos) têm permitido que possamos proporcionar o direito à vida de bebês prematuros.
O mais recente exemplo desse sucesso foi o de Amilia Taylor, uma pequena americana nascida em Miami em 24 de outubro de 2006, após apenas 22 semanas de gestação (esse processo normalmente se estende por 38-40 semanas), pesando 284 gramas e com 24 centímetros de comprimento (pouco mais que uma caneta esferográfica). Amilia – cujo nome quer dizer lutadora em latim – sobreviveu após sofrer complicações digestivas, respiratórias e uma pequena hemorragia cerebral.
Enquanto durarem as discussões no STF sobre a utilização ou não de células-tronco embrionárias, milhares de embriões e fetos terão seu direito inalienável à vida desrespeitado e serão vitimas de abortos clandestinos em algum canto de nosso país.
Em termos técnicos, um aborto somente existe após o embrião ou feto ter alcançado 500 gramas, algo que ocorre em torno de 20-22 semanas de gravidez para um embrião com desenvolvimento normal. No Brasil, a interrupção voluntária da gravidez por meio de um aborto induzido é permitida por lei em casos de estupro, quando a vida da gestante está em risco ou quando há malformações graves no feto (como anencefalia – bebês que nascem sem cérebro).
Contudo, mesmo um aborto legal após o primeiro trimestre da gravidez é um procedimento que envolve riscos para a saúde da mãe. Estima-se que o país tenha quase dois abortos clandestinos por minuto, num total de 1,4 milhão por ano. O aborto é considerado a quarta causa de morte materna no Brasil e afeta principalmente mulheres de baixa renda.
Espera-se que ocorra no STF um acalorado debate que envolverá setores da igreja católica (contrários ao uso de células-tronco em pesquisas e para fins terapêuticos) e cientistas que já estão com pesquisas (pagas com dinheiro público) em andamento. Após essa discussão, serão finalmente estabelecidos pelo STF em meados de junho de 2007 os direitos constitucionais desses embriões e fetos que, para alguns, são um amontoado de células capazes de salvar vidas e diminuir o sofrimento de pessoas e, para outros, pequenos brasileiros.
Em comum, todos vivem em um país no qual sequer crianças de 6 anos de idade como o garoto João Hélio – recentemente assassinado de forma cruel por bandidos – têm garantidos direitos constitucionais mínimos como segurança e educação.
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